Pauladas de amor
O dia foi bem agradável, fizeram compras no mercado, passearam e estavam parados no carro, estacionado a alguns metros da sua casa.
Olhou para o relógio e se deu conta que precisava preparar o jantar da filha, assim como trocar o bebê que dormia tranquilo no banco de trás no carro do pai.
Despediu-se e entrou com o bebê, J morava em outra casa e ficou no carro.
A filha de 12 anos estava brava, porque fugiram pra esse lugar e agora J estava novamente ali?
Não quis perder a alegria do dia e se ocupou das tarefas que tinha a executar.
O cansaço pesava e se preparava para dormir, quando ouviu um estrondo no portão da frente e os brados de J enraivecido e entrando pela garagem.
Sua vagabunda, estava me traindo! Vai aprender agora!
Começou a reclamar com ele, quando sentiu uma pancada forte explodindo em sua cabeça.
Não conseguia entender a situação, num instinto de proteção, tentou usar as mãos e braços para se defender, mas a dor veio mais rápido ainda e o braço caiu para o lado, quebrado por uma paulada.
O sangue escorria em sua cabeça, as pauladas pareciam vir de todas as direções, estava entorpecida e sem reação, a visão se cobriu de um vermelho vivo e logo a escuridão total, os olhos pareciam ter desistido de ver a violência e apenas pararam de funcionar.
Ouviu a filha correndo para onde estava, mas logo fugiu para o quarto novamente, gritando que ia chamar a tia pelo celular que acabara de resgatar.
Gritou para ligar para a polícia e sentiu um ultimo golpe no queixo, alguns dentes se misturaram ao sangue e a boca caiu torta com o maxilar quebrado.
As pancadas pararam, J fugiu sem pressa, sem falar nada e ela percebeu que estava sentada no chão, com várias poças de sangue e gotas espirradas nas paredes, a visão voltava e ouviu o bebê chorando no quarto com a filha.
Levantou-se e foi até lá, a porta trancada, mas ao perceber que era ela, a filha abriu e parou a sua frente, o telefone celular na mão, o bebê deitado na cama chorando.
Pegou o celular e ligou pra irmã, não consegui pronunciar as palavras direito com a boca aberta e mole, desligou e pegou o bebê no colo, tinha que cuidar do choro...
O tempo pareceu fugir em sua cabeça confusa, estava andando sem conseguir levar o bebê e a irmã apareceu, levou-a para a garagem, sentou-a numa cadeira e foi cuidar das crianças.
Novamente a escuridão e outra vez o relógio pareceu pular, o policial estava olhando para ela chocado e percebeu que estava deitada no chão.
Não mais resistiu ao vazio e entregou-se ao nada, cansada, esgotada, as dores pareciam exauridas também, pois já não sentia mais qualquer coisa, abrigou-se no abraço da morte.
Mas não morreu, acordou no hospital, passaram-se horas ou dias? Os remédios entorpeciam tudo e o sono era maior ainda, dormiu e acordou várias vezes, por alguns momentos, sem entender o que acontecia.
Quando finalmente a consciência retornou, estava com a boca amarrada, o braço engessado e o corpo mesmo entorpecido, doía quase tanto quanto sua confusão mental.
Soube que perdeu alguns dentes, um pedaço do couro cabeludo, teve que operar a mandíbula e o braço, levou mais alguns pontos e logo seria liberada.
A mãe e a irmã a acolheram, queria ver J mas via a preocupação constante das duas e o tempo passou, recuperou-se e voltou a trabalhar.
Queimaram a casa de J, o caminhão e o carro foram destruídos, encheram o motor de areia e ele estava preso, só não foi linchado pois não estava na cidade.
J saiu da casa após dar a lição merecida, pegou a moto e foi pra outra cidade, a uns 70 Km, na casa do filho.
No dia seguinte fizeram um churrasco, o filho merecia por ser um bom homem.
A policia local foi visitá-lo e fez algumas perguntas.
Uns dias depois, voltou pra cidade e foi preso, acusado de tentativa de assassinato.
Ficou alguns meses na penitenciária e no julgamento, foi condenado a 18 anos de reclusão.
Sua primeira frase no testemunho ecoou pelo salão e ficou pra memória daquela corte.
- O que é meu, é meu, o que é dos outros, é dos outros!
O femicidio ou feminicidio é um agravante do homicídio, motivado pelo gênero da vitima e o Brasil está no top 5 mundial dessa vergonha.
O caso relatado é raro, a maioria não chega a julgamento, pois não são nem denunciados ou julgados.
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